segunda-feira, 26 de novembro de 2012


Os meus olhos ficaram baços, escureceram, deixaram de brilhar
como se os tivesses queimado com um ferro candente
mas n
ão, não sou mais a tua vítima
ceguei mas agora vejo melhor que nunca quem és
o enevoado não o é mais
abafaste o som da guitarra, destruiste os meus cristais
o baloi
ço entristeceu e levou com ele tudo o que Deus me deu
Senta-te, senta-te junto dessa mesa mas dela n
ão te aproximes,
pois comigo só à mesa se sentam aqueles que não trazem queixumes.
No meio de aptid
ões e sonhos
apunhalaste-me pelas costas, sem dar largas à imagina
ção
sem teres no
ção das consequências
apuraste os meus sentidos
espalhaste as minhas aguarelas
alojaste e aquentaste a minha alma,
deste-me um abrigo
mas esse abrigo foi-se tão depressa como chegou.
Foi díficil, mas fui-me apercebendo da pior maneira
que eras só mais uma fatia de pão sem sal no meio de tantas,
uma sardinha dentro de tantas latas e eu nem de sardinhas gosto.
O meu mérito está aquém do que imaginas,
és apenas mais um escravo que estancou, vê se atinas
como homem que és, deste o mundo que tinhas a teus pés
ungiste todas as partes do meu corpo, mas não as limpaste
generalizaste todas as minhas qualidades e defeitos
mas não as tornaste especiais
tornaste banal tudo o que era urbano
tornaste rotina tudo o que era dano
deixaste-me ir até ao ultramar
e ficaste em terra sem saber remar.

[RC]
23 Novembro 2012





terça-feira, 23 de outubro de 2012

Não eras tudo mas eras muito: eras tristeza, eras mágoa, eras pão, eras água.
Eras quem escolhi, quem quis, quem nunca tive, quem perdi.
Eras muito mais do que a capa do livro que eu nunca li.
Fiz planos para dois, guardei palavras, guardei tostões, guardei lágrimas.
Lembrei-me do passado, pensei num futuro, lembrei-me de ti, saltei o muro e caí.
Lembrei-me sempre de ti mas esqueci-me de mim.
Hoje questiono porquê se já nada se vê,
se não me lembro onde me deixei, se de nada serve e já nada sei.
Limito-me a pensar, amanhã será um novo dia, só quero dormir e não voltar a acordar.

[RC]



domingo, 7 de outubro de 2012


"... E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente.
Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros.
Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram.
Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre."

Miguel Sousa Tavares
Sinto tudo o que sinto.
Sinto tudo e não sinto nada.
Penso em tudo o que me fez feliz,
penso em tudo o que me destruiu,
penso em tudo e não penso em nada.
Se dependesse de mim livrava-me de ti.
Inimigo de mim própria, minha sombra, minha alma.
Quero deixar-te para trás, minha droga, meu tormento.
Triste viver e achar que não vivi
Triste desconfiar da felicidade
quando em tempos ela bateu à porta
Vejo o poço, mas não lhe vejo o fundo.
Vejo o mundo, mas não lhe vejo o começo
vejo apenas o aceno do fim.

[RC]

quinta-feira, 30 de agosto de 2012


Não tenho medo.
Não tenho medo do escuro
não tenho medo da morte
não tenho medo do mundo
não tenho medo da sorte
só tentando sabemos
se perdemos, se vencemos
somos todos, somos tudo,
somos nada, sou mudo
somos o que somos
não sei se começa, se acaba
nem sei se quero saber.
Nada me preocupa,
nem a célebre desculpa,
nem a verdade, a mentira
a azia, ou a ira.
Não tenho medo.
Não tenho medo,
quero dormir
quero dormir seja onde for
quero acordar sem esta dor
que é a pior, a dor de pensar.

[RC]

Uns gritam estou doente
outros gritam por socorro
uns gritam sou feliz
outros gritam de sufoco
uns lamentam o que têm
outros choram por não ter
uns querem o  impossível
outros pensam 'querer é poder'
e nesta roda
nesta corda bamba
onde só se safa quem arrisca
poucos são os que percebem
muitos são os que bebem
o povo diz 'quem não arrisca não petisca'.
E o mundo gira
não em torno da razão
poucos são os que a usam
muitos falam do coração.
E eu pergunto porquê
se nem tudo o que parece é,
eu sou tudo menos o que ele vê.

[RC]

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Pensei: não me vou abaixo. Mas fui. Pensei: sou mais forte do que pensas. Mas não consegui ser. Pensei: mereço bem melhor. Mas sei que não o disse do coração. Pensei: eras tudo o que tinha. E continuo a pensar.
Quando a alma dói e a cabeça já não descansa, tudo o que me resta é recordar.

[RC]
Mas que sentimento estranho este que me prende todos os órgãos do corpo em uníssono e me deixa encurralada.
Deixa-me sair, não quero ser prisioneira de um corpo que não é meu, não quero dar a mão à dor que em tempos abandonei. Preferia ver mas não sentir a sentir e não ver.
Já nem peço para não ser, apenas para ser o que já fui.

[RC]

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Tens o mundo todo. De que adianta negares se terás sempre o mundo todo. Eu tenho o submundo, o teu submundo.
Tudo o que o vento levou não traz de volta. Tudo o que construímos, nosso amor corta.
A falta destrói mas a demasia também.

[RC]

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Há noites e noites. Há dias e dias. Há horas e horas. Há pretos e brancos. Há brancos e pretos. Há cinzentos. É nesse momento que o arrepio me entra na espinha e traz com ele a palavra que temia. Tudo está diferente, tudo foi em vão, tudo está distante. O que nem começou acabou, o que nem floriu morreu, o que nem nasceu fugiu.
E num abrir e fechar de olhos sinto-me vazia, sinto-me sozinha. O motivo pelo qual sorria num sopro desapareceu, mudou de rumo. E em três tempos esse futuro que era meu, esse futuro que era nosso já não é mais. E dou a conhecer ao mundo como é possível alguém com o mundo às costas deixá-lo fugir, como é possível alguém com tantos amigos se sentir sozinho, incompleto, sentir-se nada.

[RC]


terça-feira, 24 de julho de 2012

esse ar atordoado
catatónico, superficial,
tudo rasgado
actividade paranormal
pálpebras que pesam
olhos semi-cerrados
corações que não rezam
amores roubados
presa nesse olhar,
nessa memória
tudo foi em vão
fiel à tua glória
por ti, eu dou a mão
por ti eu faço tudo
o que der pra agarrar
por ti um grito mudo
um beijo, um suspirar
antes que a hora chegue
agarra o que é teu
para que se não pegue
com as estrelas do céu
porquê? pergunto eu
mas há perguntas
que não te ecoam nos ouvidos
e no meio de destemidos
finges não ver
isso que eu tanto tento perceber
questiono se serei só mais uma
de entre as tuas bailarinas
ou se é desta que atinas
e me dás valor
não inflinjo dor
nem gosto de pressionar
só quero que o gostar
possa vir a ser amor
e no dia em que as palavras
forem desnecessárias
aí eu estou contigo
nas situações várias
não pretendo que digam
que somos um só
pretendo que te unas
não que dês o nó
que vejas em mim
a tua melhor amiga
mas acima de tudo
que em situações de briga
possas ser o meu irmão
e que a teu lado permaneça
nada será em vão
o para sempre não existe
enquanto durar durou
se puder ser muito tempo
é sinal que a gente amou

[RC]

segunda-feira, 23 de julho de 2012

palavras


palavras que foram em vão
palavras em demasia
palavras, minha teimosia
para quê?

palavras, palavras, palavras
palavras sem destino
palavras sem tino
palavras que mino
para quê?

palavras sem custo
palavras dadas
palavras de embusto
palavras cravadas
para quê?

palavras de amor,
palavras de dor
palavras de crença
palavras de indiferença
para quê?

ao acordar,
mil e uma desculpas
ao dormir
repetes as voltas
para quê?

palavras,
palavras que me fazes engolir
tua vez, minha a seguir
para quê?

mais uma mancha escura
se sobrepõe à que tinha cor
e vais morrendo
nessa dor 
que perdura
não és já nada do que foste
e por mais que aposte
esse teu último suspiro
é em vão
já nem admiro
será somente isso, um suspiro

palavras, palavras demais
palavras banais
palavras sem cais
para quê?

surpreendo
vou embora
e o que sempre tiveste
deixaste de ter
o nada não demora
o importante é viver

com ou sem palavras
sem a tua presença
palavras minha inocência

[RC]

segunda-feira, 16 de julho de 2012

"Vive, dizes, no presente;
Vive só no presente.
Mas eu não quero o presente, quero a realidade;
Quero as coisas que existem, não o tempo que as mede.

O que é o presente?
É uma coisa relativa ao passado e ao futuro.
É uma coisa que existe em virtude de outras coisas existirem.
Eu quero só a realidade, as coisas sem presente.

Não quero incluir o tempo no meu esquema.
Não quero pensar nas coisas como presentes; quero pensar nelas como coisas.
Não quero separá-las de si próprias, tratando-as por presentes.

Eu devia vê-las, apenas vê-las;
Vê-las até não poder pensar nelas,
Vê-las sem tempo, nem espaço,
Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê.
É esta a ciência de ver, que não é nenhuma."

Alberto Caeiro



quinta-feira, 12 de julho de 2012



Não falo de ti,
quanto muito falo de mim.
Falo da minha imagem reflectida no espelho,
falo da minha sombra,
do meu retrato,
da minha caricatura,
das minhas feições e afeições,
falo dos meus defeitos e preconceitos,
do que adoro, do que odeio
do que colho, do que semeio
mas nunca de ti.

Para quê pronunciar palavras que o vento vai levar?

[RC]